Isto de se ter irmãos mais novos também tem as suas vantagens. Uma delas é podermos usar esse facto como desculpa para nos deliciarmos com os últimos filmes de animação sem acharem que sofremos do síndrome Peter Pan.
O cinema americano de animação sempre foi e continua a ser (obrigado Pixar, obrigado Dreamworks) extremamente fecundo em grandes obras nesse género particular. A atenção que mundialmente se dá aos bonecos de Hollywood é (grosso modo) bem devida pela reconhecida qualidade artística. Mais: pela reconhecida qualidade sociológica; desde Walt Disney até John Lasseter o tema das histórias destes filmes não se separa do ideal do sonho americano (que comanda a vida e todo o enredo), da afirmação individual contra a incompreensão social - o believe in yourself, do regresso às origens e aos verdadeiros (puros) valores americanos. Não são intenções condenáveis, não é essa a questão (bem pelo contrário, já que inspiram tão belas histórias); aliás, outros grandes produtores de animação, como a França e o Japão, com abordagens e a mensagens diametralmente diferentes produzem filmes tão bons ou melhores. O que é comum a todas as cinematografias é o facto dos filmes de animação serem o reflexo mais nítido dos valores socialmente aceites e tidos como desejáveis por um país ou por uma cultura; isto é, aqueles que se pretende inculcar à geração seguinte.
Estranho é, contudo, quando esses valores (sejam quais forem, não importa) interessam mais aos putos que aos graúdos. Aliás, nos filmes de "imagem real", a inércia de defender no ecrã o que quer que seja (o país, a diferença, a igualdade, o amor, o sexo, a promiscuidade, a própria inércia) é tão declarada e tão cool que, no máximo, o que nos chega às salas são filmes idealistas light, como convém à sensibilidade do espectador mediano.
"How to train your dragon" é o último filme da Dreamworks. Vão ver, vale a pena. A relação entre aqueles dois bonecos lá em cima, um humano e um mitológico é o mais forte do filme - isto é importante, é a definição do motor do filme a partir do qual tudo (desse para sublinhar também o faria) o resto deriva directa ou indirectamente. E da relação de companheirismo entre os dois temos o pódio para a verdadeira apologia de tudo o que escrevi em cima: a luta pela afirmação do indivíduo, da diferença, o gosto pelo desconhecido, a procura das raízes da sociedade... enfim, descubram o resto! E depois digam se o ideal-motor, a amizade, não fundamenta todos os outros.
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