30 novembro 2010

Sete fantasmas de Hollywood em Sunset Blvd.

Sunset Boulevard (1950) é, muito provavelmente, a mais cínica homenagem já prestada ao passado de Hollywood, essa terra de sonhos, máquina de estrelas.
Em 1927 dá-se uma profunda revolução na industria cinematográfica americana com a introdução do som nos filmes. Muitas foram as baixas, já que nem todos conseguiram adaptar-se a esta nova dimensão que o Cinema passava a incorporar.
Que melhor maneira de retratar a trajectória cadente das estrelas do mudo senão com as próprias estrelas desse período, 20 anos de decadência depois de terem saído da tela as proféticas palavras: «you ain't heard nothin' yet» ?
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1. Gloria Swanson

A grande diferença entre Norma Desmond e Gloria Swanson é, para além de toda a bizarria e extravagância, fundamentalmente esta: Gloria, ao contrário de Norma, teve o seu return - precisamente com Sunset Blvd.
Gloria Swanson participou em mais de 50 filmes durante os anos do mudo, os melhores dos quais dirigidos por Cecil B. DeMille para a Paramount Pictures (tal como Norma pretendia para Salomé). Para além de uma das maiores actrizes da altura, era vista como um ícone da moda, dotada de uma presença deslumbrante na tela - ajudou certamente a definir as qualidades que uma "estrela" deve ter para efectivamente o ser.
Trabalhou com os grandes realizadores da altura: o já referido DeMille, Sam Wood, Raul Walsh e, claro, Erich von Stroheim. Teve uma breve incursão no sonoro mas muito rapidamente foi votada ao esquecimento - entre 1932 (ano de Queen Kelly) e 1950 (Sunset Blvd) participaria em apenas dois filmes.
Nomeada para o Óscar de melhor actriz por três vezes - uma por Sadie Thompson, 1928, mudo; outra por The Trespasser, 1929, o seu primeiro sonoro; e, claro, por Sunset Blvd. - nunca a estatueta lhe foi entregue.
Depois do seu merecido return fez mais dois filmes e teve algumas participações em séries televisivas; nada que lhe devolvesse, nem sequer remotamente, a fama do mudo. A estrela apagava-se definitivamente mas, com Sunset Blvd., deixaria para sempre o público ofuscado com a sua apoteótica vitória sobre a morte lenta que Hollywood lhe havia destinado.


2. Erich von Stroheim

Max: There were three young directors who showed promise in those days: D. W. Griffith, Cecil B. DeMille, and Max von Mayerling - ou seja, Erich von Stroheim. Não exactamente, certamente haveria muitos mais (King Vidor, por exemplo), mas o realizador austríaco pertenceria, sem dúvida, a esse grupo restrito.
Era tido como um realizador maldito: a sua estética demasiado vanguardista, as suas filmagens lentas e dispendiosas, os seus filmes gigantes em duração (Greed teria mais de 9 horas e meia se a MGM não o tivesse decepado para o poder exibir comercialmente). Depois do inacabado Queen Kelly nunca mais dirigiu, tendo enveredado, em vez, pela carreira de actor.
Ficam para a história do Cinema dois filmes essenciais: Foolish Wives (1922) e Greed (1924).


3. Cecil B. DeMille

Definição do "Dicionário de Cineastas" de Rubens Ewald sobre DeMille: Realizador e produtor americano, mestre do superespectáculo bíblico, vulgar e exótico, misturando moralismos cristãos, bailarinas desnudadas e grandes efeitos especiais.
Cecil B. DeMille é uma lenda de Hollywood, um ícone da indústria. Representava tudo o que esta tinha de bom e de mau. Tal como os estúdios se souberam adaptar à conversão do mudo para o sonoro, com igualável sucesso, ou mais ainda, o conseguiu DeMille.
Não deixou um legado com particular valor artístico; foi, antes, figura de proa de uma época e de um sistema. Está definitivamente no panteão de Hollywood, mais ao lado dos grandes produtores como Louis B. Mayer, Adolph Zuckor, Darryl F. Zanuck, Irving Thalberg ou David O. Selznick, do que ao lado dos grandes realizadores. A sua obra-prima será, provavelmente, The Ten Commandments, filme que ilustra bem tudo o que DeMille representava para Hollywood.


4. Paramount Pictures

O mais antigo dos estúdios americanos, e um dos cinco "reis" de Hollywood durante a sua época áurea (sendo os restantes a MGM, a Warner Bros., a RKO e a 20th Century Fox).
Fundada por Adolph Zuckor, um emigrante húngaro, acolheu desde a sua fundação actores que se iriam tornar as grandes estrelas do cinema mudo: Mary Pickford, Douglas Fairbanks, Gloria Swanson e Rudolph Valentino. Na década de trintas, a Paramount deu ao cinema americano nomes como Marlene Dietrich, Mae West, Gary Cooper, Bing Crosby e os Marx Brothers.
Não é por acaso que o logo original da Paramount tinha 24 estrelas, tantas quanto as que estavam a contracto com o estúdio, na altura.


5. Os "Waxworks"

Aparecem no filme, a jogar cartas - são os únicos amigos de Norma Desmond. Os seu nomes nem sequer são referidos. São eles:

Anna Q. Nilson - actriz e modelo de origem sueca, muito famosa durante os anos 20 (em 1926 foi eleita a actriz mais popular de Hollywood).

H. B. Warner - no auge da sua carreira interpretou Jesus Cristo, em The King of Kings de DeMille (1927). Resistiu ao advento do sonoro mas foi sempre relegado para papeis secundários. Teve o seu return em It's a Wonderful Life de Frank Capra (1946).

Buster Keaton - o maior deles todos. O único génio da comédia capaz de rivalizar com Charlie Chaplin. A sua persona cómica era conhecida em Portugal como "Pamplinas" (a de Chaplin, "Charlot"). Fez inúmeras obras-primas, sobretudo na década de 20, como Sherlock Holmes Jr. (1924) e The General (1926). A sua expressão facial triste e petrificada é mítica.


6. Os mitos

Nomes que surgem durante o filme e que devem ser realçados. Destacam-se dois:

Rudolph Valentino - foi o maior sex symbol do cinema mudo, o "amante latino", encarnando papéis que davam o mote a esta fama - o sheik das arábias, o heróico toureador, o gaúcho romântico...
O facto de ter morrido no auge da sua carreira e popularidade, aos 31, tornou-o num mito, e propagou a ideia de que as estrelas não envelhecem, apagam-se.

Greta Garbo - uma das maiores actrizes de toda a história do cinema. A dama da beleza gelada sobreviveu à revolução do sonoro e manteve-se como uma das grandes figuras de Hollywood durante a década de 30.
Encarnou papéis míticos como o de Anna Karenina, Mata-Hari, Rainha Cristina da Suécia, e Ninotcha, talvez o melhor dos Garbo movies, realizado por Ernest Lubitsch.
Retirou-se depois de Two-Faced Woman (1941), refugiando-se no seu apartamento de Nova York, longe das câmaras e dos estúdios, até ao dia em que se apagou, aos 84 anos - sem envelhecer um dia, obviamente.


7. Queen Kelly

A obra inacabada que Eric von Stroheim realizou e Gloria Swanson protagonizou. Tanto para um como para outro representou o fim do sonho, o acordar numa transformada e ingrata Hollywood que os queria ver enterrados. Foi produzido por Joseph P. Kennedy, o patriarca do clã Kennedy, na altura amante de Swanson.
Actriz e realizador desentenderam-se ao ponto de esta obrigar o amante, digo, produtor a despedir Erich von Stroheim - there's a madman in charge! dizia Swanson. Desde essa altura e, provavelmente até Sunset Blvd., a relação entre os dois permaneceria extremamente azeda.
Verdadeiro golpe de génio (Billy Wilder, realizador de Sunset Blvd., era-o sem dúvida) foi incluir um excerto dessa obra no filme, na cena em que Norma e Max assistem na sala à projecção das suas glórias passadas, e a um orgulho que Hollywood já não lhes permitia. Norma e Max, tal como Gloria e Eric.
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Daqui a duas semanas voltaremos a explorar este tema, com a projecção de Singin' in the Rain (1952) de Gene Kelly e Stanley Donen.

2 comentários:

  1. Tens aqui um verdadeiro ensaio. Um bocadinho seco, estilo wiki, mas altamente informativo. Excelente pesquisa e boa redação, pá. Abraço

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